Ai meus sais.
Quem vê Lost vai entender o que se passa aqui em casa.
(hum, devo avisar que contém mini-spoilers?)
Lembram da Claire, aquela australianinha loirinha bobinha gravidinha que teve um bebê lindico e depois sumiu no meio daquele mato todo? Pois quem está vendo a última temporada sabe que ela reapareceu sinistrona, descabelada, com cara de maluca e matando geral. E um japonês com pinta de samurai que nunca tinha aparecido mais gordo explicou pro Jack: "there is a darkness growing inside her". Ui! Algo a ver com aquele fumacê preto que toca o terror na ilha, me parece.
Pois é isso que tá rolando por aqui. There is a darkness growing inside Alice, céus! Minha filha, outrora uma doce menininha, uma criatura tão algodãodocinha e carinhosa e beijoqueira, foi abduzida por alguma fumaça preta dessa vida e substituída por um monstrinho impertinente. Resolveu que desafiar mamãe é a coisa mais divertida que ela pode fazer na vida, e passa o dia inteiro se dedicando a essa nova atividade recreativa. Alice está escrevendo, e bem, o manual "Como enlouquecer mamãe em 10 lições".
Tem levado tão a sério a missão que nem se importa em fazer disparates, tipo amolecer as pernas e se recusar a ficar em pé, limpar meleca de nariz nos próprios cabelos, tampar a boca com as mãos na hora de escovar os dentes ou decidir que vai para a escola sem calças. Tudo ao mesmo tempo agora - e tudo absolutamente sem propósito, repararam? Por que qual é o ponto de arrancar as próprias calças, me explica? Não é calor, não é incômodo, não é um senso estético discordante do meu. É apenas rebeldia gratuita, que vem com um sorrisinho sacana pra temperar. Ai, como esse sorrisinho me en-lou-que-ce! Eu acabo ficando irritada e endureço cada vez mais, e quanto mais eu endureço mais ela me provoca, e assim a nossa relação vai ladeira abaixo e me dá saudade do tempo em que a birra mor da minha filhinha era deitar no chão e ficar lá com cara de deprimida, ou afundar a cara na cama e ficar em silêncio absoluto por um minuto ou dois. Ah, os bons tempos das birras silenciosas...
Ok, vamos descartar a hipótese "fumaça preta" por um instante. Acho que sobram duas coisas: um restinho de terrible twos e a reação à minha gravidez,
que está cada vez mais "real" pra ela. A barriga está grandona, eu estou mais cansada e a oferta de colos diminuiu muito, porque andei tendo umas dores e contrações mais longas e achei melhor pegar leve no esforço. Também teve a chegada do primo, e ela percebeu que perdeu um pouco (só um pouco) dos holofotes familiares, o que deve ser um choque tremendo pra uma mocinha tão paparicada.
Enfim: é plenamente justificável, eu sei. Mas é chato, infinitamente chato. E eu não sei o que fazer pra cortar ou pelo menos amenizar esse comportamento. Fico bravíssima, faço a voz mais aterrorizante possível, coloco de castigo, tiro coisas que ela gosta a cada birra, fico de mal, ignoro... nada funciona. E eu vou ficando insanamente puta da vida, cada vez mais. Não sei se a gravidez tem algo a ver com isso, mas eu estou completamente sem saco pra essas situações. E aí, olha a ironia: a monstra viro eu! Fico impaciente, nervosinha, durona, chorona, intolerante. There is a darkness growing inside mummy, afinal! Horror, horror! Confesso até que ando tentada a dar-lhe uns petelecos, o que é o pecado mortal da minha Cartilha Pedagógica Hipponga e Não-Violenta (quando os filhos são apenas abstrações é muito fácil declamar princípios e jurar solenemente que nunca vamos encostar um dedo neles, mas na vida real, depois da quinta grosseria gritada na nossa cara e acompanhada de um safanão, sei não...) Felizmente sigo firmona e zen-budista por fora, mas por dentro fico fervendo de raiva. E pra aliviar a tensão sem ter que sair na mão eu praguejo e digo palavrões cabeludos - vejam vocês a maturidade emocional da pessoa.
Resumo: Alice monstrinha está me transformando numa mãe monstrona que eu nunca imaginei que pudesse ser. E isso é mil vezes pior do que as pirraças dela, porque bate na ancestral tecla da culpa materna: sou péssima, sou desequilibrada, não sei educar, não sirvo pra ser mãe, Alice está condenada a uma vida de terapia por minha culpa, minha culpa, MINHA MÁXIMA CULPA!
Acabei concluindo que evitar os enfrentamentos é melhor, pelo menos nesse meu momento grávida-loucona-de-pavio-curto. Melhor relaxar, contar até 10 a cada provocação, sair de perto e ir chorar mi-mi-mi escondida no banheiro. Melhor pensar que essas fases chatésimas são necessárias para o desenvolvimento e construção da autonomia dos nossos filhos. São pentelhices importantes e que fazem parte do amadurecimento. E sobretudo: passam*, e minha filha coisinhafofadamamãe há de voltar pra casa a qualquer momento - andando com os próprios pés, de dentes limpos, nariz assoado e usando calças. E trazendo consigo a mamãezinhaqueridinhadocinhaecalminha que eu sei que ainda mora aqui dentro, escondida em algum lugar.
(*Roberta já contou uma coisa bem parecida. Nossas filhas tem a mesma idade e nós estamos grávidas quase gêmeas, então acho que a gravidez tem mesmo um impacto grande nas crianças dessa idade. Ela conta que no caso dela durou poucas semanas... oxalá!)
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Dica literária rápida: em um momento de profunda identificação, comprei pra mim pra Alice esse livro

"Quando mamãe virou um monstro", de Joanna Harrison.
Conta a história de uma mãe que vai se monstrificando de tanto que os filhos aprontam. Ela começa o livro rosadinha e penteada e termina em frangalhos, verdona e desgrenhada. Familiar?
(Nem é pra idade da Alice ainda, mas EU amei, haha! Estava precisando saber que não sou só eu que passo por essas metamorfoses sinistras de vez em quando...)