quinta-feira, 27 de setembro de 2012

:: Culpa boa X Culpa ruim


Essa semana tem sido muito diferente. Fiz uma coisa que não acontecia há tempos: me joguei de cabeça em conversas sobre maternidade. Entre posts, comentários, emails e conversas, produzi mais texto - e mais racíocínio - do que fiz em meses. 

Tenho vontade de reproduzir aqui cada coisa que foi conversada, porque sinto que estou avançando muito. Não vou fazer isso porque muitas dessas conversas aconteceram em off e envolvem pessoas que justamente escolheram não se expor mais em discussões maternas, por conta de todo o mal entendido que elas pode gerar. Gente de "lá" e de "cá", olha que interessante. Parece que o clima tá pesado pra todo mundo.

Me pergunto como foi que a briga mães X sistema opressivo virou mães x mães. Minha impressão é que as mães (todas), na ânsia de se defenderem (seja por se sentirem oprimidas pelo "sistema", seja por verem apontadas as suas fragilidades), atacam enlouquecidamente. E aí, colegas, voa sopapo pra tudo que é lado. E a defesa muda: não brigo mais contra o sistema nem contra minhas próprias questões, e sim contra aquela outra mãe que, distribuindo sopapos, me acertou na boca do estômago. 

"A militância é agressiva", nós dizemos. Mas a antimilitância é tão agressiva quanto. Todo mundo anda muito agressivo, o que é uma pena. No meio da guerra, perde-se uma informação fundamental: estamos todas do mesmo lado.

(Recomendo a leitura dessa carta que está no site do coletivo ILC. Ela diz muito do que eu penso.)


Bom, mas um dos textos que elaborei por aí pode vir pra cá. Foi uma resposta para a Paloma que dialoga com o meu post anterior e com o post da Lia, que gerou toda a conversa. Passo pra cá porque ela completa o meu raciocínio sobre culpa materna.


{"Oi Paloma, bibibi, bobobó" - vou pular essa parte e ir direto ao ponto}

Me parece que, antes de tudo, falta definir "culpa" nessa conversa toda. Isso vai esclarecer porque existe um "culpa não" que eu apoio e outro que eu condeno.

Você falou de uma coisa fundamental: a culpa como motor para questionar e mudar. A culpa boa, que gera inconformismo, te move, te empurra pra frente. Perfeito!

Mas tem outra culpa: a que te tortura e te fragiliza. Essa é a culpa ruim.

Eu tentei substituir "culpa" por outras palavras e acho que isso me ajuda a explicar melhor. vamos trocar "culpa boa" por "consciência" e "culpa ruim" por "arrependimento".

O que eu não quero carregar são os arrependimentos. Eles, por si só, são improdutivos. Um arrependimento é uma ferida que não sara. Se eu entendo o que me levou a tomar aquela decisão pela qual eu me arrependi, consigo me perdoar - e me fortaleço para mudar. Me libertei da culpa-arrependimento, curei a ferida. Esse é o "culpa não" que eu apoio!

Agora, se eu quero me livrar da culpa-consciência para seguir tomando decisões sem assumir responsabilidades, é porque algo está errado. Esse "culpa não", que valida qualquer ação minha e me deixa parada no mesmo lugar, eu condeno.

Portanto, a minha ideia do "culpa não" seria melhor expressa assim: "consciência sim, arrependimento não."

Agora, decidir qual versão do "culpa não" se está abraçando é algo pessoal e intransferível. Porque aí entra exatamente o que você falou: a INTERPRETAÇÃO. Cada um lê as coisas como lhe convém. Tanto o "culpa não" quanto a "maternidade ativa", mal interpretados, podem virar muletas emocionais bem complicadas. 


{sobre isso: teve gente que viu no meu comentário no post da Lia um certo desserviço, pois eu posso ter aliviado a culpa "errada" (a consciência) de muitas mães.}

Tem aquela frase mais ou menos assim: "eu sou responsável pelo que escrevo e não pelo que você entende", não tem? Acho que é por aí. O problema, Palô, não são as teorias, e sim o que as pessoas fazem delas. 

Assunto para outro looongo post... ;)




Por hora é isso. Acho que ainda volto nesse assunto, tô atacada, o bichinho da teorização materna louca me picou! Uma hora o efeito passa? Eis a questão.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

:: Me baixou a teórica louca da maternidade, alguém me segura!



Uma vez li um post sobre como transformar a sua casa em um ambiente lúdico e estimulante para os pequenos. A mãe fazia circuito pela sala, tranformava o sofá em escorregador, desmontou a varanda para transformá-la em playground - tudo pensado para o desenvolvimento psicomotor dos filhos e como alternativa para uma casa onde havia pouco espaço para esse tipo de atividade. Achei aquilo a coisa mais legal do mundo! Chamei o maridão toda empolgada, mostrei o post, fiquei pensando em como tornar a nossa casa mais estimulante para as crianças. Detalhe: ao contrário da autora do post, temos um bocado de espaço para as correrias dos pequenos. Ainda assim, fiquei me perguntando: como seguir vivendo sem uma sala lúdica, como? Que espécie de mãe eu seria se negasse isso para os meus filhos??? 

Pois bem, disse o marido: 

- É, muito legal. Mas aqui em casa, sei não... acho importante as crianças saberem que esse ou aquele cômodo não estão à disposição delas. Alguns espaços têm regras diferentes. Elas têm bastante espaço para brincar no quarto delas, ou no quarto de brinquedos, ou lá fora. Aqui, a sala não precisa ser lugar de brincar, ué!

TÓIM na minha cabeça. Fiquei surpresa por alguns segundo com a resposta dele, depois senti alguma coisa se reelaborando aqui dentro. Um minuto antes eu estava animadíssima com a ideia de transformar a minha casa inteira em um parquinho em nome da felicidade dos meus filhos, e agora essa ideia me soava absurda. A casa não é só das crianças, é de todos nós - então por que dar tudo para elas?

"Por que dar tudo para elas?" - guardem bem essa pergunta.

Corta.


Da coluna do Calligaris em 30 de agosto de 2012: 

(...)

Uma pesquisa famosa de Daniel Kahneman, em 2004, constatou que criar filhos não é uma fonte de bem-estar. No melhor dos casos, criar filhos deixa uma lembrança boa (idealizada), mas é uma experiência dura e, às vezes, ruim. Na mesma linha, para Daniel Gilbert ("O Que nos Faz Felizes", Campus), os filhos e o dinheiro são as coisas das quais pensamos erroneamente que nos fariam felizes.

(...)

Seja como for, a criação dos filhos é uma experiência menos satisfatória do que todos queremos acreditar que seja.

O que foi? Será que, de repente, na modernidade, perdemos a mão, e ninguém sabe mais ser pai direito? Por que, na hora de educar, nossos avós pareciam se sair melhor do que a gente --com menos questionamentos e menos dramas?

É uma questão de expectativas: eles não esperavam nem um pouco que criar filhos lhes trouxesse a felicidade. E é uma questão de lugar: para eles, as crianças não eram o centro da vida dos adultos.


Outro TÓIM! Calligaris disse uma coisas que, imagino, não pode sequer ser pensada por uma mãe, quanto mais dita (ou escrita): criar filhos é pior do que a gente pensa. Também disse uma coisa que me pega fundo desde o tal dia da conversa sobre a casa: crianças não precisam (ou devem?) ser o centro da vida dos pais. 


Corta.


Recebi essa semana um texto da Lia para publicar no Minha Mãe que Disse. No texto ela fala da responsabilidade dos pais para com os filhos. Passa pela questão da culpa ou não-culpa materna (e da campanha anticulpa promovida por uma revista e que tem gerado muita discussão nas redes sociais afora); das "teorias" de maternidade que ela identifica e da eterna treta "menos mãe X maternidade ativa", que quem frequenta a blogosfera tá cansado de acompanhar.

O texto da Lia me fez vários TÓINS. Aliás, isso acontece muito. Lia é aquele tipo de pessoa que sempre traz um elemento novo na discussão. Um contraponto, um questionamento. Gosto disso, todo mundo sai ganhando quando diferenças são confrontadas. Isso sempre me ajuda muito a elaborar as minhas próprias opiniões.


Pois bem. Cito essas três leituras, com as conversas e insights que se seguiram, para tentar dar mais um passo em direção ao que considero a minha "teoria de maternidade". Ela virá em mais alguns posts, porque amigos, eu falo pra cacete. Digamos que essa é a primeira segunda parte da trilogia "Mariana tentando se achar no mundo da maternidade", ok?


Começo me referindo ao post da Lia. 

O post da Lia me rendeu dois dias de "insônia elaborativa". Mudei a perspectiva, repensei algumas certezas, tentei reformular alguns conceitos. O motivo principal foi: como o tal movimento "anticulpa" das mães passou de mocinho a bandido em poucos meses? Poxa, já vi tantas mães bacanas da blogosfera tentando lidar com a culpa e endossando essa postura de aliviar o peso excessivo que a gente carrega... mas parece que o entendimento geral desse "movimento" mudou. E agora? Como eu, que tanto defendi a bandeira do "culpa não", me sinto quanto a isso?

Pois eu sigo carregando a bandeira. Eu nem sabia que tal campanha tinha sido institucionalizada por uma revista, pra falar a verdade. Endosso o "culpa não" baseada apenas na minha experiência - que nada tem a ver com revistas, consumo, papinhas ou leite artificial. E que acho bem mais amplo do que o "Culpa não" citado pela Lia - que existe sim e é preocupante.


É preciso ler o post (e os outros que originaram a discussão) para entender como essa campanha pode ser maliciosa. Concordo completamente com ela e não vou me estender no assunto (fiz um comentário no post dela que complementa o que tô falando aqui). Mas sinto que, como mãe que abraça a "causa", também preciso fazer o contraponto e expor como eu vejo a campanha anticulpa.

Voltando ao começo do post: não quero que meus filhos sejam o centro da minha vida. Não vivo por eles nem para eles - vivo com eles. Talvez soe frio colocado dessa maneira, mas acho essa postura positiva. Ela não joga neles a responsabilidade pela minha felicidade, e nem em mim a responsabilidade pela felicidade deles. Minha responsabilidade é permitir que eles cresçam saudáveis e seguros, e se tornem adultos com autonomia e ferramentas para buscarem  a própria felicidade. Somos uma família, um time, vamos juntos. É uma relação cheia de amor, de afeto e de cuidado, mas que entende que cada indivíduo tem o seu espaço. 

Por essa postura, eu não me culpo mais. Nadinha, nem uma gota. "Não sou menos mãe por isso", saca o discurso? 

Pois é, mas aí veio a grande revelação que o texto da Lia me trouxe: na verdade eu sou menos mãe sim. Não por essa postura, mas pelo modo como eu a coloco em prática. Sou menos mãe porque materno menos. Porque delego alguns cuidados com os meus filhos para a babá. Assumo menos funções do que uma mãe da maternidade ativa, a que tenta assumir tudo, certo? (vou chamá-la de mais mãe, na falta de termo melhor). Quantitativamente, sou menos mãe do que essa mãe "ativa". Já em qualidade, não sei. Depende. Quem é essa mãe? Já sei que ela materna muito, mas como? Talvez ela curta a função e seja uma mãe super animada. Talvez ela faça tudo de saco cheio e mau humor. O fato é que essa mais mãe genérica não existe - existem essa, aquela e aquela outra mãe, cada uma praticando a maternidade ativa à sua maneira. Não posso comparar a qualidade da minha maternagem com quem não conheço. Mas sei me autoavaliar: eu tenho meus momentos de supermãe e meus momentos de mãe de merda. Acho que na média eu levaria uma nota 7. 

(Detalhe importantíssimo: sou menos mãe agora, com uma filha de cinco anos e um filho de dois. Fui mais mãe quando eles eram pequetitos, com certeza a minha disposição era maior naquela época. Mesmo agora, me sinto mais disponível e mais mãe para o meu caçula do que para a mais velha (com o devido cuidado de não demostrar, claro). As demandas são completamente diferentes e acho que a idade dos filhos é absolutamente fundamental quando se fala sobre maternidade ativa e "menosmãezice"...)

E a culpa, onde fica no caso de uma mãe que se assume "menas main"? Pois é, segundo TÓIM do dia: a culpa, eu sigo descartando. Ser "menas" não é tão grave assim.

Sou menos em relação a quê, afinal? Menos do que aquela outra mãe? Menos do que 100% dedicada à maternidade? É, sou. Mas posso viver com isso. Entre ser uma mãe 100% ou ser uma mãe 70%, eu sou a que leva um 7 nos exames finais. Sabe por que? Porque ser uma mãe nota 10 (ou quase isso) estava me fazendo infeliz. Ser 7 é suficiente para os meus filhos? Então pronto, passei de ano - e nem fiz tão feio assim, vai?


Agora, só posso conviver com o fato de ser "menas" porque sei que estou longe de ser uma mãe ruim. Diria Winnicott (que eu nunca li mas sempre amei, hoho) que eu sou uma mãe suficiente (atenção para a palavrinha, que ela faz TODA a diferença). Não sou A mãe, mas também não admito ser uma mãe ruim, negligente, descomprometida. Aceito ser suficiente - mãe bem, filhos bem. Repare que eu não sou menos mãe porque esse é o melhor jeito, porque defendo esse tipo de maternagem, porque "forma caráter". Nem porque fui manipulada e o mercado me empurrou isso goela abaixo isso. Sou menos mãe porque é o que eu consigo ser sem meu saco ir parar na lua. Simples assim.


A minha teoria de maternidade, como muita gente já sabe, é a do equilíbrio. É a que bota a família toda no mesmo patamar e considera que priorizar este ou aquele tem a ver com o momento, contexto, situação. Priorizar, para mim, é uma resposta a uma demanda, e não uma postura ideológica do tipo "mãe que é mãe prioriza os filhos e ponto". Um bebê, claro, tem altíssima prioridade. Uma criança doente também. Um adulto doente - por que não? - também. Demandas, baby. Priorizar é algo reativo. É resposta. Não algo que se faz que se faz a priori, porque as leis-não-escritas da maternidade disseram que é assim. Na minha teoria da maternidade, pelo menos, tem sido assim. 

Mas pode vir outro post de alguém e mudar tudo, claro. Só sei que nada sei... ;)


(O primeiro post em que eu elaboro essa questão tá aqui. Outros virão. Acho.

(Ops, reparem: falei, falei e NÃO falei direito sobre o "culpa não". No fim das contas, tudo sobre isso já foi dito no comentário que deixei lá na Lia, aqui: http://minhamaequedisse.com/2012/09/culpa-zero-menos-mae-e-outras-asneiras/#comment-11744
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